É hora de finalmente colocar um fim as mentiras sobre este ótimo exercício
Profº Charles Poliquin
Todos nós já vimos. Uma pilha de anilhas carregando ao máximo o leg press 45 graus - ás vezes com o incremento de um dedicado parceiro de treino montado em cima do aparelho indo para cima e para baixo como um caubói em um rodeio. Essa obsessão por leg press pesados inspirou uma empresa de equipamentos a desenvolver uma máquina que agüenta até 3.750kg de anilhas! Mas tão impressionante quanto, são os rituais associados com esse exercício: faixa de joelhos apertada ao extremo, cinturão lombar tão justo de fazer inveja a Jessica Rabbit, grunhidos altos que acompanham cada lenta e dolorosa repetição completada, finalmente atingindo um crescente que soa como ARGHHHHHHHHHH assim que o atleta completa a última repetição e deixa o rack pousar sobre as travas de suporte.
O apelo para essa exagerada exibição de ego é em parte responsável pelo fato de que vários praticantes de musculação escolhem quase todos os exercícios de perna que existem menos o agachamento. Aliás, colocar toneladas de peso no leg press chama muito mais atenção do que meros 190 kg em um agachamento completo. Qualquer um que dolorosamente já agachou até o último centímetro antes de encostar-se ao chão sabe que é bem mais difícil do que apenas deslizar um rack por alguns centímetros, independentemente do peso. O fato é que nada é mais difícil e produz mais resultados do que o agachamento – nada.
Se o agachamento não for o maior componente do seu treino de pernas, você está provavelmente dando ouvidos ao “mito-informação” que cerca esse exercício. Para esclarecer de vez o assunto – e tirar você do rack – vou expor em sua consideração os oito mitos mais comuns sobre o agachamento.
Mito #1: Agachamentos alargam os quadris. O mito de alargar os quadris é oriundo do fisiculturista Vince Gironda. Mesmo Gironda tendo contribuído com informações valiosas para o treinamento de força, não existem evidencias cientificas ou empíricas que corroboram com essa crença de que agachamento alarga os quadris. Na verdade, quando o glúteo máximo (um dos músculos primários do agachamento) se desenvolve, ele encolhe e não alarga, porque nem sua inserção nem sua origem são ligadas ao quadril. Se o agachamento alargasse mesmo os quadris, levantadores olímpicos que dedicam até 25% de seus volumes de treino para o agachamento se pareceriam com caixas de correio.
Mito #2: Agachamentos fazem mal ao joelho. Não apenas agachamentos não fazem mal ao joelho, mas todos os estudos legítimos sobre esse assunto têm mostrado que o agachamento melhora a estabilidade do joelho ajudando a reduzir o risco de lesões. A National Strength and Conditioning Association (NSCA) publicou uma excelente revisão de literatura que somada aos dados do Canadian National Alpine Ski Team sugerem que agachar regularmente reduz não apenas a incidência, mas também o tempo de recuperação das lesões que eventualmente ocorrem.
Quando fui contratado para trabalhar com o Canadian National Women´s Volleyball Team, percebi que todas as atletas sofriam de graus variados de uma lesão por excesso de uso conhecida como tendinite patelar ou joelho de saltador. Acredito que o problema era causado em parte por um desequilíbrio estrutural na musculatura inferior do quadríceps chamado de vasto medial obliquo (um músculo com forma de gota de lágrima que se insere no joelho). Para corrigir isso, as atletas praticavam o exercício Peterson´s step up e gradativamente progrediam ao agachamento completo. Apenas uma atleta ainda apresentava joelho de saltador após um período três meses de treinamento apropriado.
Contanto que você não relaxe ou bata e suba na posição final da flexão no agachamento, você não precisa se preocupar com nada. Quando você relaxa, a articulação do joelho se abre discretamente expondo o tecido conectivo a níveis de estresse maiores que sua força de tensão. Isso quer dizer que você não pode agachar até o chão? Não. Isso simplesmente significa que se você pausar no final da flexão, você deve manter o músculo tensionado, mantendo uma contração estática ou isométrica. Em outras palavras, não relaxe no final da flexão e permita que o tecido conectivo se alongue como pedaço de caramelo.
Mito #3. Só existe uma maneira de fazer agachamento. Tanto faz se ao invés de agachar com a barra apoiada na clavícula você a apóia no trapézio ou usa Zane leg blaster ao invés de uma barra agachamento, você irá forçar adaptação e crescimento muscular.
A maioria dos fisiculturistas gosta de agachar mantendo as costas mais verticais possíveis, uma técnica que aumenta o movimento dos joelhos para frente. Basistas (powerlifters) tendem a agachar flexionando mais o quadril, assim há mínimo movimento do joelho a frente. No esforço para manter as cargas mais altas possíveis, basistas geralmente não agacham tão profundamente quanto os fisiculturistas. Nas áreas da biomecânica e da neurofisiologia, sabemos que a profundidade do agachamento, grau de inclinação para frente e os padrões de movimento do joelho afetam o padrão de recrutamento muscular. Sabemos também que quanto mais você varia seus exercícios, mais unidades motoras você recruta.
Isto significa que fisiculturistas se beneficiariam do agachamento assim como basistas se beneficiam porque eles estariam estimulando um novo conjunto de unidades motoras, e quanto mais unidades motoras envolvidas, maior o crescimento muscular. Ainda, agachando profundamente como fisiculturistas fazem, permitiria aos basistas aumentar o desenvolvimento dos músculos vasto medial oblíquo e isquiotibiais – aumentando assim a estabilidade do joelho. Como diria Tom Platz, fisiculturista que estabeleceu algumas normas no desenvolvimento das pernas, “Meio agachamento, meia perna!”
Mito #4. Você deve agachar até vomitar. Parece que existem praticantes e professores de musculação que ainda acreditam que a intensidade do exercício pode ser medida pelo quanto você vomita. Esta crença bizarra foi discutida no controverso livro de Samuel Wilson Fussell: Confessions of an unlikely bodybuilder (Confissões de um improvável fisiculturista). Não existe verdade nesse mito, e a maioria dos vômitos podem ser prevenidos com condicionamento adequado e escolha mais sabias das refeições pré-treino. Por exemplo, escalopes são digeridos muito mais rápidos do que costelas de porco.
Mito #5. Agachar no Smith é mais seguro que o agachamento livre. Essa é uma grande mentira, e para provar eu conheço casos de processos que foram abertos por indivíduos que se tornaram tetraplégicos em acidentes que aconteceram enquanto usavam este aparelho. Minha experiência com o agachamento no Smith é que este exercício é muito agressivo para o ligamento patelar e cruzado anterior do joelho e ambos atuam como estabilizadores dessa articulação.
A maioria dos fisiculturistas que usam o Smith realiza o agachamento mantendo o tronco na vertical, uma técnica que minimiza a atuação dos isquiotibiais. Apoiar as costas contra a barra também aumenta a estabilidade do tronco, reduzindo assim o envolvimento dos isquiotibiais. Isso não seria desejável, desde que os isquiotibiais são antagonistas diretos na contração do quadríceps sobre os joelhos e essa “co-contração” neutralizaria forças lesivas nas partes superiores das pernas.
No Smith, a barra esta encaixada em um trilho, isso aumenta a estabilidade e diminui a necessidade de recrutar os músculos neutralizadores e estabilizadores do movimento. No entanto, a força desenvolvida nessas máquinas tem pouca transferência para um ambiente tri-dimensional e instável como ocorre no agachamento livre. Esse é um fato especialmente importante para aqueles que usam a musculação para melhorar o desempenho esportivo.
A verdade é, exercícios com pesos livres devem sempre preceder exercícios em aparelhos e atletas devem limitar o uso de aparelhos em não mais do que 25 por cento do treinamento total.
Mito #6. Agachamento faz mal para as costas. Com tanto que você agache com boa postura, o centro de massa da barra não se deslocará do seu centro de gravidade e isso já é preventivo de lesão. Alguns treinadores recomendam agachar rodando a pelve posteriormente, mantendo as costas retificadas ou levemente arredondadas – uma técnica freqüentemente usada em aulas de aeróbicas em uma errônea tentativa de aumentar a ativação dos glúteos. Agachar com esta postura impõe tensão excessiva nos ligamentos e em outros tecidos conectivos das costas.
Para proteger as estruturas ligamentares das costas, deve-se agachar com leve arco na lombar. Essa forma de agachar aumenta o estresse na musculatura compensando o não uso dos ligamentos no suporte da coluna. Esta técnica pode estar associada com uma maior incidência de estiramento na musculatura lombar, mas deve-se entender que a alternativa seria uma lesão de ligamento. Considerando que os músculos levam de 3 a 8 dias para se recuperar de uma ruptura leve ou de grau1, sendo que um estiramento ligamentar leva pelo menos 21 dias para cicatrizar, a decisão de arquear as costas se torna relativamente fácil.
Outra importante técnica de segurança é agachar com as mãos para dentro e os cotovelos encaixados diretamente sob a barra, o que ajuda a manter o torso vertical durante o movimento. Você também deveria tentar algumas séries mais leves sem o cinturão lombar, já que isso estimularia o desenvolvimento dos músculos do tronco que ajudam proteger a coluna. Porém, sempre use o cinturão em series muito pesadas!
Alguns iniciantes acham o agachamento desconfortável para coluna superior e podem minimizar este desconforto enrolando uma toalha em volta da barra. Eu fortemente advirto quanto a esta pratica. O maior diâmetro da barra causado pela toalha pode ser lesivo para o pescoço e aumenta o risco da barra rolar para baixo sobre as costas – eu já vi isto acontecer em várias ocasiões.
Uma idéia melhor seria usar um artefato chamado de Manta Ray. Distribuir o peso sobre uma maior quantidade de músculos minimiza o estresse sobre trapézio, e isso acontece sem modificar o centro de massa da barra. O único problema é que os comerciais dizem que um tamanho serve para todos, mas indivíduos com trapézios grandes podem achar o acessório desconfortável. Outra opção é usar um dos vários protetores de barra almofadados que distribui o peso um pouco diferente quando comparado ao agachamento com barra sobre os trapézios. A melhor maneira de aliviar o desconforto é simplesmente desenvolver os trapézios.
Mito #7. Agachar torna os atletas mais lentos. O desempenho no agachamento esta diretamente relacionado com sucesso em competições de track and field assim como em vários outros esportes. Um bom exemplo da correlação entre agachamento e desempenho esportivo é o sucesso do competidor de bobsled Ian Danney, que se tornou um dos mais bem sucedidos técnicos de musculação de jogadores de futebol americano. Daney já realizou o agachamento frontal com 261 kg para duas repetições com o peso corporal de 116 kg. Outros atletas impressionantes que eu já vi são a esquiadora Kate Pace, que agachou com 165 kg para 3 repetições com peso corporal de 95 kg; e a esquiadora de montanha Michelle McKendry-Ruthven que realizou 66 repetições de agachamento em 60 segundos com 70 por cento de seu peso corporal.
O que é melhor para os atletas: agachamento livre (barra nas costas) ou agachamento frontal? Embora o desempenho no sprint esteja mais correlacionado com o agachamento frontal do que o agachamento livre, eu acredito que esse fato acontece porque meus colegas cientistas do esporte interpretaram de maneira diferente a maneira como agachamento livre deveria ser executado. No agachamento frontal, o peso se concentra sobre a clavícula e a técnica é bastante convencional. Em contraste, existem várias técnicas de agachamento livre, algumas mais eficientes que outras em relação ao desempenho no sprint.
Mito #8. Agachamentos fazem mal ao coração. Agachamentos aumentam temporariamente a pressão arterial, mas o coração se adapta a esse estresse de maneira positiva aumentando o diâmetro do ventrículo esquerdo.
Curiosamente, estudos mostraram que se exercitar no leg press 45 graus aumenta a pressão arterial três vezes mais do que o agachamento. Claro que se você sofre de doença cardiovascular ou há incidência familiar desta doença, deve-se consultar um experiente médico do esporte antes de ingressar em um programa serio de agachamentos.
Enquanto eu acredito que o agachamento é o rei dos exercícios, ele não é toda família real. Há vários fisiculturistas que atingiram altos níveis de massa muscular focando seu treinamento de pernas em hack squats, afundos e leg presses. Do mesmo modo, vários atletas atingiram altos níveis de desempenho sem o uso agachamento. No entanto, eu acredito que a maioria dos atletas poderia atingir um novo apogeu no aspecto físico se incorporassem o agachamento em seu treinamento.
O agachamento tem sido um exercício injustamente caluniado. Se você deseja incluí-lo ou não em seu programa de treino, é uma decisão pessoal, mas tenha certeza de basear sua decisão em fatos e não mitos.
interessante, muito boa a colocação....vlw professor!
ResponderExcluirAdorei. Complementa e muito a visão dos professores de sala no cotidiano. Obrigada
ResponderExcluirMilena Emidio
Goiânia.